Biografia

Biografia

Escultor carioca que participou da icônica exposição “Como Vai Você Geração 80?”, na EVA do Parque Lage, Marcelo Corrêa do Lago (1958) dá continuidade a uma geração de escultores do Rio. Suas peças se integram à paisagem urbana, como “Intervenção Vermelha”, grande tubo de aço pintado que durante quatro anos “abraçou” toda a fachada da Casa de Cultura Laura Alvim, na praia de Ipanema, ou o “Grande Painel Azul” que foi feito para sua primeira exposição no Paço Imperial, mas que a pedido de seu diretor, Lauro Cavalcante, ficou instalado no atrium por 12 anos. Tem trabalhos também no jardim da PUC Rio,  no metrô Barra Funda em São Paulo, no Museu da República em Brasília, no jardim do Museu Mineiro em Belo Horizonte e na Praça Paris, Centro do Rio,  permaneceu por três anos.

Lago mora e trabalha em Petrópolis desde 1984, onde além do atelier, desenvolve atividades como professor de escultura contemporânea, curadoria e produção cultural.

Expôs nos principais espaços institucionais do Rio de Janeiro, como Paço Imperial, Museu da Republica, MAM, Centro Cultural Hélio Oiticica, Casa de Cultura Laura Alvim, Museu de Belas Artes, entre outros.

Arte é Ordem

Texto de Alair Gomes para videotape de Malu de Martino sobre Marcelo Lago/ março 1989

A arte é ordem. A arte é um jogo, muitas vezes, uma espécie de brinquedo. Essas afirmações de aparência contraditória, frequentemente feitas a respeito da natureza da arte, aplicam-se bem à produção artística de Marcelo Correa do Lago. Sua tônica é mesmo às vezes minimalista, parecendo então reafirmar a máxima que se tornou célebre em relação à arquitetura moderna: “o menos é mais”. Outras vezes, entretanto, Marcelo afasta-se ligeiramente dela e torna um pouco mais complexa a forma de alguns de seus signos geométricos. Assim, procede em relação a diversas dentre as múltiplas formas destacáveis, concebidas para viver magneticamente unidas a um grande painel retangular intensamente colorido, e em relação também a várias de suas peças de parede, nas quais formas muito semelhantes às das outras peças aparecem ampliadas. Mas nesses dois casos, os elementos componentes retilíneos, os ângulos que definem entre si e as figuras que sugerem marcam ainda com clareza a visão geométrica.

A geometria é a expressão visual básica da ordem. Mas porque não, indaga o jovem artista, aliar a ideia de ordem à ideia de um possível jogo? E porque não, através da cor, da força magnética e ocasionalmente da própria forma, impregnar a ordem geométrica de sensualidade, transformando seu aparente ascetismo em convite ao prazer? As formas parabólicas de algumas grandes peças minimalistas de Marcelo Lago sugerem um escorrega de playground, ou a trajetória, em sentido inverso, de um salto de trampolim; e podem até mesmo solicitar carícias, com isto evidenciando grande compatibilidade entre o sensual e a disciplina geométrica.

Desde os primórdios das civilizações, figuras e formas geométricas tem sido empregadas para significar ordem em escalas muito amplas e abrangentes. Por este motivo, prestam-se bem a construções de caráter monumental. Ao conceber um trabalho que é como um diálogo entre dois volumes geométricos muito simples e de dimensões desiguais, mas harmoniosas, Marcelo Lago percebeu que deveria executá-lo à maneira de um imenso monumento. Em princípio destinado a parque público, o conjunto das duas peças deve estender-se ao longo de nada menos que 40 metros, elevando-se a mais de 4 metros de altura. A execução final aguarda ainda uma oportunidade; mas a maquete do trabalho já atinge dimensões impressionantes.

Tendo recentemente exposto, em companhia de dois outros jovens artistas, na Cada de Cultura Laura Alvim, no Rio de Janeiro, Marcelo projetou uma intervenção minimalista para a fachada da Casa, que ousadamente atravessa quase toda sua altura e quase todo seu comprimento. Foi tanto o seu sucesso, do ponto de vista artístico, que se tornou logo óbvio que a instalação deveria se tornar permanente – para proclamar aos passantes da praia de Ipanema, onde a Casa se situa, a sua condição de galeria de arte.

A conquista, relativamente recente ainda, da maturidade não apagou no artista a atração por sua infância e adolescência. Marcelo guarda uma vasta coleção de desenhos, quase todos exibindo o rosto humano, que começou a fazer muito jovem ainda, e que vieram a constituir o exercício básico com o qual se preparou para ingressar na área da produção artística local.

Para Marcelo, o trânsito da bidimensionalidade do desenho para as três dimensões da escultura possui um caráter muito estimulante; e quando, hoje em dia, desenha projetos para novas peças, sente prazer em conceber inicialmente cada nova obra já no espaço, e em pensar na feitura dos desenhos preliminares como um processo inverso daquele que inicialmente o levou do grafismo sobre papel para a escultura.

Quase desenhos são de fato as peças planas do Painel Magnético e as peças semelhantes de parede. Seu caráter de garatujas geométricas representa uma transformação sofisticada de sentimentos infantis. As peças do Painel contêm pequenos ímãs embutidos e recobertos de cor; quando bastante aproximadas da vasta chapa metálica transformada em campo intensamente azul, suscitam uma força de atração fisicamente débil, mas psicologicamente irresistível – força que revela um aspecto sensual muito específico, também quando a mão tenta desfazer a união já consumada com o painel. A experiência dessa força é parte essencial da concepção e da fruição da obra; evoca vivências já não infantis, que só se afirmam plenamente a partir da adolescência.

Uma série de esculturas reveladoramente denominadas Grafismos no Espaço trazem para o domínio das três dimensões concepções típicas do desenho. Mas levam o espectador a realizar malabarismos visuais para acompanhar e curtir as caprichosas e elegantes trajetórias curvas e angulares que delineiam. Confeccionadas em ferro pintado – Marcelo aborda a cor sempre com júbilo e grande apetite – os Grafismos no Espaço retém, quando prontos, a atmosfera de seus próprios processos de confecção. Esse fato provavelmente se deve ao grande gosto que o artista tem pelo trabalho em oficina – e pelo ambiente de camaradagem profissional nela prevalecente. Seu atelier é mesmo uma oficina enorme e bem montada, rica nas atrações próprias a esses locais; reproduz aspectos da grande Oficina de Escultura dirigida por Haroldo Barroso, junto ao Palácio do Ingá, em Niterói, onde Marcelo Lago teve seu grande treino artístico – e onde firmou contato também com um de seus auxiliares principais, o estupendo Sr. Manuel.

Com ambição autenticada pela devoção, Marcelo Lago em seu íntimo talvez contemple a gigantesca maquete de monumento escultórico que pretende erguer, como uma espécie de metáfora ou profecia do prosseguimento de sua carreira.

Assemblage divergente

Texto de Fernando Cochiaralli para exposição Paço Imperial/data

Marcelo Lago apropria-se de objetos para fazer composições a serem moldadas e posteriormente fundidas, que em alguns casos, resultam em instalações. Entretanto, é preciso esclarecer, Lago usa o método da assemblage num sentido divergente daquele das vanguardas modernas. Embora se aproprie de objetos, Marcelo não pretende construir uma nova forma e um novo espaço, como queriam os modernistas, mas criar em seu lugar narrativas híbridas, tão caras aos repertórios contemporâneos.

A poética de Lago ultrapassa, pois, os repertórios modernistas da ruptura e da novidade, que emprestavam à arte características históricas e temporais inconfundíveis, para criar obras que parecem pertencer a vários tempos. A desconstrução da temporalidade histórica, da identidade estilística e dos repertórios modernos se dá não só nos materiais (ferro oxidado, alumínio, etc.) de que são feitas as obras, como também na fragmentação, a marretadas, dos moldes de gesso. Esses procedimentos sugerem uma ancestralidade que as obras, de fato, não possuem, pois, paradoxalmente, sua adoção é o principal indicio da contemporaneidade da poética deste artista.